quinta-feira, 22 de julho de 2010

A saga de um pensador ...


... Pegou sua sacola, deu-lhe alguns alimentos bem embalados e uma caixa de bombons. Pensou que depois do circo e dos presentes havia conquistado Falcão. Ledo engano!
O mendigo olhou para o jovem e desferiu-lhe um golpe inesquecível:
- O seu alimento sacia minha fome, mas não compra minha liberdade.
- Eu não quero comprar sua liberdade! - reagiu imediatamente.
- Seja honesto! Você deseja que eu fale, que lhe dê informações. Quem vende sua liberdade nunca foi digno dela - expressou Falcão.
Marco Polo coçou sua cabeleira arrepiada e novamente se perguntou: "Quem é essa pessoa tão rápida nas respostas e tão ferina nas idéias?!"
Ele sentiu a pobreza do seu plano para conquistar alguém tão incomum. No fundo, ele estava querendo comprar aquilo que não tem preço. Precisava usar a estratégia da transparência.
Reconhecendo seu erro, disse:
- Desculpe-me pelas minhas segundas intenções. Eu realmente quis que meus presentes abrissem as janelas da sua mente.
Mais afetivo diante da humildade de Marco Polo, Falcão adocicou a voz:
- Garoto, o seu nome é o de um desbravador, mas você nunca será como um de nós. Você pode maquiar-se, vestir roupas rasgadas, cheirar mal, mas continuará sendo você mesmo. No seu mundo, vocês crêem que a embalagem muda o valor do conteúdo. No meu mundo isso é uma tolice. Você continuará sendo um prisioneiro.
Marco Polo ficou abismado:
- Prisioneiro do quê?
- Do sistema.
- Eu sou livre!
- Você pensa que é livre. Você tem os pés livres para caminhar e a boca livre para falar. Mas você é livre para pensar?
- Creio que sim.
- Então me responda com sinceridade: Você sofre pelo futuro, ou seja, você se atormenta por coisas que não aconteceram?
- Sim - disse, consternado.
- Você tem necessidades que não são necessárias?
- Sim.
- Você sofre quando alguém o critica? É preocupado com a opinião dos outros?
- Sim.
Falcão se calou e Marco Polo ficou pensativo. Lembrou-se do quanto as opiniões do seu professor e de seus colegas de classe o atormentaram. A discriminação que sofreu fora registrada de maneira privilegiada, gerando um conflito. Perdeu o sono algumas vezes. Deixou que o lixo de fora invadisse sua emoção.
Começou a analisar o que estava fazendo naquela praça. Conquistar Falcão era motivado pela dor da discriminação e não pelo que realmente ele representava. Assim, começou a rever seu foco.
Com honestidade, admitiu:
- Não sou tão livre como imaginava.
Falcão continuou e pela primeira vez o chamou pelo nome.
- Marco Polo, o mundo em que você vive é um teatro. As pessoas freqüentemente representam.
Elas se observam o tempo todo, esperando comportamentos previsíveis. Observam seus gestos, suas roupas, suas palavras. A liberdade é uma utopia. A espontaneidade morreu.
Marco Polo jamais pensou que poderia encontrar sabedoria em um maltrapilho. Recordou a primeira aula de anatomia, as palavras preconceituosas do seu professor, da psicóloga e da assistente social. Percebeu como somos superficiais ao julgar pessoas diferentes. Compreendeu a própria superficialidade.
Entendeu que muitos indigentes podiam ser doentes mentais sem condições de expressar grandes idéias, mas todos eles tiveram uma grande história. Além disso, começou a descobrir que alguns miseráveis das ruas, como Falcão, e provavelmente alguns doentes mentais, tinham uma sabedoria que intelectuais não alcançaram. Convenceu-se de que cada ser humano é uma caixa de segredos a ser explorada.
Quando os excluímos, é porque não os entendemos. A partir daí, começou a ser fascinado pela mente humana. Despertou-lhe pouco a pouco o desejo de um dia se especializar na mais enigmática e complexa das especialidades médicas: a psiquiatria. As idéias do pensador das ruas o inspiraram.

Trecho do livro "O futuro da humanidade: A saga de um pensador"
Augusto Cury

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